terça-feira, 22 de agosto de 2017

Espinosa


Deus para Espinosa é o único motivo da existência de todas as coisas. Deus é a substância única e nenhuma outra realidade existe fora de Deus. Ele é a fonte única e Dele surgem todos os outros elementos. Deus existe em si e foi gerado por si, para existir ele não necessita de nenhuma outra realidade. A essência de Deus pressupõe a sua existência. A substância divina é infinita e não é limitada por nenhuma outra, ela é a causa de todas as coisas existentes, que por consequência são manifestações de Deus.
Assim sendo, nada existe fora de Deus, e tudo que existe é uma forma de Deus, não como uma criação sem regras ou espontânea, mas seguindo as leis da natureza e respeitando a possibilidade de agir com vontade própria.
Um dos propósitos de sua filosofia é esclarecer a identidade existente entre nossa mente e o conjunto de todas as coisas da natureza. Para ele essa identidade somente vai acontecer quando conhecermos a nós mesmos e conhecermos também a natureza. O conhecimento da natureza se dá quando entendemos a essência dos objetos ou da sua causa mais próxima. Verdadeiro será o conhecimento que estiver em harmonia e se adaptar à ideia do objeto.
O filósofo estudou o homem e sua condição política, religiosa e moral. Para ele o ser humano é desprovido de vontade, como tudo procede de Deus, tudo também é determinado por Ele. Nós nos julgamos livres porque temos consciência da nossa vontade e achamos que é ela que nos guia, mas quem determina essa vontade é Deus.
Para Espinosa não existe uma finalidade para a existência do homem e nem para a existência da natureza. Deus não criou as coisas para o uso dos homens, nem para agradá-los nem para que os homens agradem a Deus. Pensar que Deus criou as coisas com algum objetivo, como o de que os homens lhe agradem, é o mesmo que dizer que Deus tem necessidade do agradecimento dos homens, e isso é tornar Deus imperfeito. Na natureza tudo é perfeito, pois tudo vem de Deus e é parte dele. Seguindo esse raciocínio, Espinosa descarta a possibilidade da existência de milagres, pois se a natureza é divina e perfeita, qualquer mudança na natureza vai contra a perfeição divina. O milagre é simplesmente um acontecimento natural do qual não conhecemos as causas. Devemos estabelecer em nós um procedimento tal que nos faça admitir que as coisas sejam como são, nos mínimos detalhes, como tem que ser, são imprescindíveis e obrigatoriamente assim porque tem que ser assim.
Tudo o que existe tem propensão a se manter existindo como o que é e essa é a essência dos seres em geral. Nos homens esse instinto de conservação gera as emoções que são uma mistura desordenada das ideias. A alegria e a tristeza são as principais emoções, a alegria conserva e a tristeza deprecia o ser. O amor e o ódio ocorrem quando a alegria e a tristeza se ligam a algo externo ao sujeito.
Sobre o direito, Espinosa afirma que existe no mundo um ordenamento essencial, e dele vem o direito natural que tem por origem Deus. O direito natural é para o filósofo as normas que dirigem a natureza. As regras através das quais a natureza se ordena estendem-se até o limite do seu poder. Se o homem seguir as leis da natureza, estará seguindo também as leis de Deus. Se os homens seguirem as regras e ensinamentos recomendados pela razão, o direito natural irá se expressar através dessa razão, que é a natureza do homem. Em sociedade o Estado é o detentor do poder e do direito, mas se o Estado seguir a razão que é própria de cada um dos indivíduos que o compõe ele também estará seguindo o direito natural. O estado limita o poder dos indivíduos, mas não invalida o seu direito natural. O direito do Estado é limitado pelas leis da natureza.
A fé é submeter-se à vontade de Deus, fé é ter uma conduta de obediência. Os pontos básicos da doutrina religiosa que fundamentam a fé universal para Espinosa são os seguintes: 1 - Deus existe e é justo e misericordioso; 2 - Deus é único; 3 - Deus está em toda parte e conhece tudo; 4 - Deus domina tudo e faz tudo; 5 - Cultuar a Deus é ser justo, caridoso e amar o próximo; 6 - Quem viver desse modo será salvo, os outros não; 7 - Deus perdoa quem se arrepender. O objetivo da fé é a obediência, o objetivo da filosofia é a verdade.

fonte: só filosofia

domingo, 20 de agosto de 2017

As tribos urbanas na visão de Maffesoli


Em uma sociedade existem pequenos grupos de indivíduos. Esses pequenos grupos, chamados tribos urbanas, se diferenciam por sua fachada, pois apresentam características diferentes como: corte de cabelo, estilo de roupa, linguagem, comportamento, ideologia,gosto musical, etc. Cada qual tem certa singularidade.
Algumas tribos, por pensarem muito diferentes, acabam entrando em conflito. Essa rivalidade tem sido registrada desde os anos 60 na Inglaterra e, desde então vem crescendo bastante. (Para saber mais: CLIQUE AQUI)
Enquanto uns são a favor da violência, outros querem apenas paz, amor e tranqüilidade. Exemplo disso são os clubbers (raves) que são a favor do respeito ao meio ambiente e as outras pessoas, independente da religião, raça, sexo e classe social.
O primeiro a falar sobre as tribos urbanas foi o sociólogo Michel Maffesoli. Ele destaca a idéia de que essas tribos são instáveis e abertas, permitindo que uma pessoa mude de um grupo para o outro.
Na sociedade contemporânea, o processo de formação de novas tribos é mais complexo por causa da grande evolução da tecnologia, dos meios de comunicação, dos interesses, dos assuntos e a influência da mídia da formação do sujeito.
A tribal idade contemporânea está diretamente ligada a cultura jovem, pois é uma fase que cria e nega valores,formando e representando a cultura. Os jovens querem se orientar por valores diferentes dos que estão acostumados, querem ser um diferencial, formar uma identidade própria, por isso são criadas as tribos jovens. É uma tentativa de alcançar tais objetivos.

Mídia e tribos urbanas 

Lidamos muito com a questão da indústria cultural, cuja Base é o Consumo. Ao consumirmos algo nós não estamos apenas gastando o dinheiro, nós também estamos formando nossa identidade de acordo com o produto que escolhemos consumir. Somos conhecidos por aquilo que vestimos,comemos, lemos etc.
Os meios de comunicação de massa a todo o momento impõem necessidades, valores e costumes consumistas. Para ter eficácia na geração de padrões, são utilizadas as mesmas estratégias de comunicação levando a um conflito entre global e local.
Os meios de comunicação de massa permitem que culturais locais sejam exibidos como globais, perdendo seu território de origem. Um indivíduo não precisa morar no mesmo lugar que o da sua tribo, porque esses grupos são deslocados.
Os meios de comunicações atuais são muito rápidos, permitindo uma maior sociabilidade (mais rápida) e facilita as variações na identidade.

fonte: sinapse em rede

quarta-feira, 16 de agosto de 2017

Lipovetsky e o Hiperconsumismo


A época que nos caracteriza aparece como um novo momento de modernidade, não como a pós-modernidade mas já como uma hipermodernidade, que tem como característica principal a exacerbação, a intensificação das lógicas constitutivas da modernidade desde o século XVII (primeira revolução individualista) e estas lógicas são fundamentalmente duas e não são estranhas uma para com a outra: a lógica do mercado (mercantilização, do consumo desenfreado, do frenesim pela aquisição de novidades e diversões) e a lógica da individuação. Como será então o futuro estando ele assente nestes dois princípios, o consumo e o individualismo?

Hoje assistimos a uma paixão individualista que aparece cada vez mais encarnada na vida consumista que levamos, no frenesim da compra e do divertimento que caracteriza do mundo contemporâneo. Admite-se que vivemos numa sociedade de consumo de massas, que aparece fundamentalmente nos anos 50 e 60 do século passado, mas esta sociedade já avançou para uma nova era, a era que designo e proponho como a “sociedade do hiperconsumo” onde agora o consumidor é um hiperconsumidor, pois deixou de haver um consumo semicoletivo onde se procurava equipar a unidade doméstica – a família –, ou seja, um consumo por família, mas esta outra e nova lógica aponta para um consumo cada vez mais individual, onde este está no centro e compra “equipamentos” para a sua satisfação pessoal. (Veja também!  "Marx e a sociedade de consumo" - CLIQUE AQUI

Com esta transformação vemos que a sociedade de consumo clássica favoreceu a individualização tanto dos gostos como dos comportamentos, mas a nova sociedade do hiperconsumo (potenciadora da destradicionalização) procura uma verdadeira “escalada” do individualismo, ou melhor, do hiperindividualismo. Por outras palavras, paradoxalmente a sociedade que se diz ser da massificação e da normalização é também ela a da personalização, da individuação das atitudes e dos gastos e, consequentemente, do hiperconsumo e da hiperindividuação. Ora, como aspectos positivos do consumo temos como resultado uma maior autonomia privada, mais informação e comunicação e uma maior esperança de vida nas nossas sociedades; contudo, também não se pode esquecer uma outra dimensão essencial do consumo que se alicerça no capitalismo, é que este hiperconsumo não pode ser interpretado como uma simples alienação dos indivíduos como se se tratasse de uma toxicodependência. Há uma outra vertente no consumo, e ser-se-á redutor se se proceder a uma análise deste consumismo só pela via da sedução.

A verdade é que esta hiperindividualização do consumo – e alguns dizem que tal não poderá continuar, ao passo que a minha opinião é que sofrerá inclusive um incremento (veja-se por exemplo, o consumo de alimentos já pré-confeccionados, de saladas ou legumes já embalados, de refeições preparadas para uma só pessoa), toda esta lógica do indivíduo não está de facto a diminuir mas a aumentar. Assistimos sim ao fim do hiperconsumo irresponsável, devorador de energias não renováveis e poluentes, mas hoje consome-se mais e mais e agora em toda a parte (veja-se, por exemplo, o caso da China) e a todo o instante. E tudo isto também parece apontar para um crescimento do isolamento do indivíduo que reflete os seus estares e mal-estares e sentimento de incompletude no seu dia a dia e que os vê compensados no. Ora, também esta hiperindividualização suscita muitas críticas, por exemplo, a questão da solidariedade, da partilha e do respeito pelo meio ambiente (é inevitável num futuro próximo menor desperdício, energias mais limpas e um eco-consumo, ou seja, estamos a falar de uma nova cultura de um hiperconsumo sustentável).

Uma questão emerge rapidamente aqui: existirá um modelo alternativo ao hiperindividualismo? O decrescimento? A auto-redução das necessidades? O modelo bioecológico que não comporta a satisfação de consumo de 7 biliões de pessoas consumidoras? É verdade que estas propostas têm alguma sustentação, inclusive científica, mas penso que este conjunto de práticas não anunciam a ultrapassagem do hiperindividualismo. Cada um quererá ter cada vez mais o equipamento que é “seu”, e esta lógica não para porque tem em si o germe de uma certa autonomia individual, e o desejo das escolhas individuais continuará a desenvolver-se.

Podemos dizer que tudo isto demonstra um carácter que é irresistível e que se estende à totalidade do nosso mundo, e possuo a convicção que o desafio ecológico não acabará com esta dinâmica da individuação. Podemos mesmo dizer que este individualismo do consumo apareceu e se mantém em paralelo com aquilo que vemos na família, na política e na economia ou outros sectores da sociedade em geral.
Hoje o hiperconsumidor procura também produtos low cost e produtos de luxo. Será que a crise económica e financeira que atravessamos irá transformar tudo isto? Não creio! O luxo hoje não é algo que esteja e diminuir, ele representa uma dimensão eidética que é a da “qualidade”; existe nele aquela ideia de que se merece o melhor que há pois “só se tem uma vida” e há que vivê-la o melhor. Em relação ao low cost, não é a crise que veio criar este conceito pois ele já existia, mas si o próprio hiperconsumo. São as “necessidades” que fazem com que as pessoas tenham de pagar aqui e ali para poderem manter o seu crescente ritmo e desejo de consumir.

Outro aspecto interessante é também a presença e omnipotência das marcas, toda uma lógica de moda, de logotipo, da imagem que também parece e é imparável. Os consumidores enquanto desorientados, sem referenciais estruturantes, vêem nas marcas e naquilo que elas representam um polo, um referencial, algo de estruturante. No futuro, penso, não assistiremos a um consumo mais racional e que deixe de lado as marcas, pois estas oferecem e conferem a quem as compra segurança e permitem “o sonho”, pelo contrário! Digo mesmo que o hiperconsumo não é uma tendência curta ou uma moda efémera, mas ele tem e irá desenvolver-se. Não nego que é possível que alguns consumos retrocedam (veja-se o que se passa em países como a Espanha ou mesmo os Estados Unidos) para algumas “categorias” médias, mas as práticas reais não demonstram que o modelo já tenha desaparecido ou esteja mesmo em declínio, uma certeza é esta: as pessoas não deixarão de consumir. Nas próximas décadas ainda teremos este modelo, certamente, pois o modelo social é este que busca no consumo uma escapatória para o homem. O consumo é visto como um estimulante e também uma terapia para o indivíduo que está desconectado do social. É de sensações e de uma sensação do “novo” que nos vendem, e o consumidor é hoje um colecionador de experiências que espera sempre algo de novo quando lhe é vendido um produto.

Em suma, o consumidor ainda não se tornou num consumidor perito, cauteloso, exigente, informado (e pensar nestes moldes é ser otimista!); verificamos que houve até algumas melhorias neste campo, mas esta é apenas um tendência minoritária pois do outro lado existe uma tendência que é verdadeiramente um caos. A transição para uma economia mais sóbria, mais ecológica, menos poluente e mais amiga do ambiente é ainda uma miragem; o hiperconsumo de hoje é o reflexo de uma sociedade da mercantilização da vida e de experiências, onde já nada escapa ao ato de compra e venda e esta mercantilização – em termos de serviços, por exemplo – ou melhor, o hiperconsumo, vai aumentar. Vejamos o que se passa inclusive em termos culturais, por exemplo, o caso da música, dos restaurantes e do tipo de ofertas possíveis nas nossas sociedades, e recordo agora, este propósito, o que se passou recentemente, no Japão, com a catástrofe natural e nuclear de Fukushima. O que é que aconteceu? Apenas três meses depois, e de acordo com os dados econômicos, para espanto de muitos e diante de tamanha desgraça, as grandes marcas, por exemplo, as francesas, conseguiram voltar aos níveis de vendas do ano anterior, e isto mostra que o consumo de marcas de luxo está longe de chegar ao cume do seu desenvolvimento. O luxo representa um ideal estético de felicidade, de “boa vida”, de combate à depressão, algo que proporciona experiências. Ora, se nem acontecimentos graves como este travam o consumismo o que é que o poderá fazer? Pensei sobre este caso!

Viver para o consumo e pelo consumo é algo que tem de ser denunciado, mas não nego que o consumo também tem bons aspetos. Para reduzir as paixões consumistas é preciso opor-se esta com outras paixões, como dizia Espinosa. Temos de criar uma pedagogia das paixões, isto é, temos de propor tarefas de redirecionamento destas paixões e essa deve ser também uma das tarefas das escolas e outras instituições públicas que formam cidadãos; ou seja, é necessário que emerjam outras paixões e também necessitamos urgentemente de uma ecologia do espírito, das paixões, pois o consumo contemporâneo assumiu um lugar desajustado. Temos de investir em novos modos de educação e de trabalho para que os próprios indivíduos encontrem outra identidade.

A lógica do individualismo diz que o indivíduo hoje é tudo; ele constitui o fundamento das sociedades modernas, o código genético das sociedades contemporâneas. A modernidade pela primeira vez pôs a sociedade a pensar-se a partir do átomo que é o indivíduo, mas este reconhecimento da autonomia individual não chegou logo ao ponto em que nos encontramos hoje. Refiro-me às ideologias, a uma socialização desigual onde homens e mulheres não tinham os mesmos direitos e, até meados do século XX, constituiu-se um individualismo limitado. Contudo, este individualismo formalmente autoritário, disciplinado, sexista, etc., terminou e presentemente estamos a viver um outro e novo individualismo; ou melhor, uma revolução, o seu próprio oposto, um individualismo desregrado, hipermoderno que radicaliza, que leva até aos limites a afirmação da autonomia e isto não termina às portas do ocidente. Vejamos, por exemplo, novamente o que se passa na China, ou até no Irão. A tendência é a favor da escalada do hiperindividualismo e também isto é irresistível, inevitável e chegará a um fim.

Os vícios do individualismo são conhecidos por todos: por exemplo, a devastação as florestas, o culto do dinheiro, o egoísmo, a indiferença, o cinismo, e isto é só uma tendência pois não é a sua própria definição. A época do hiperindividualismo também não coincide com o fim da ética e da moral; na realidade não há um só individualismo, mas dois: um fabricado pelas “altas individualidades”, o individualismo do tipo irresponsável, que segue a máxima “o eu antes de todos, ou seja, cada um por si”; e o segundo tipo é o individualismo responsável, que quer conciliar os direitos de cada um com os direitos de todos. Ora, o mundo dependerá no futuro, inevitavelmente, do estado de confronto entre este dois individualismos hipermodernos e este caminho que aqui se delineia não é uma fatalidade mas sim um desafio ou o desafio do nosso século XXI.

fonte: rotas filosóficas 

quinta-feira, 10 de agosto de 2017

Pensando com Pierre Bourdieu


A partir dos anos 1960, e durante quase 45 anos, Pierre Bourdieu produziu um conjunto de análises no âmbito da sociologia da educação e da cultura que influenciou decisivamente algumas gerações de intelectuais, obtendo o reconhecimento de pesquisadores, estudantes e ativistas que atuam em várias outras esferas da sociedade. Em “Uma sociologia da produção do mundo cultural e escolar”, introdução a Escritos de educação (1998), que reúne 12 textos do sociólogo francês, Maria A. Nogueira e Afrânio Catani escrevem o seguinte: “Ao mesmo tempo em que colocava novos questionamentos, sua obra fornecia respostas originais, renovando o pensamento sociológico sobre as funções e o funcionamento social dos sistemas de ensino nas sociedades contemporâneas, e sobre as relações que mantêm os diferentes grupos sociais com a escola e com o saber. Conceitos e categorias analíticas por ele construídos constituem hoje moeda corrente da pesquisa educacional, impregnando boa parte das análises brasileiras sobre as condições de produção e de distribuição dos bens culturais e simbólicos, entre os quais se incluem os produtos escolares”.

Bourdieu, em seus escritos, procurou questionar, nas sociedades de classes, temática que persegue muitos intelectuais: a compreensão de como e por que pequenos grupos de indivíduos conseguem se apoderar dos meios de dominação, permitindo nomear e representar a realidade, construindo categorias, classificações e visões de mundo às quais todos os outros são obrigados a se referir. Compreender o mundo, para ele, converte-se em poderoso instrumento de libertação – é esse procedimento que ele realiza, dentre outros domínios, no educacional.

A cultura vem a ser um sistema de significações hierarquizadas, tornando-se um móvel de lutas entre grupos sociais cuja finalidade é a de manter distanciamentos distintivos entre classes sociais. A dominação cultural se expressa na fórmula segundo a qual a cada posição na hierarquia social corresponde uma cultura específica (elitista, média, de massa), caracterizadas respectivamente pela distinção, pela pretensão e pela privação. Definida por gostos e formas de apreciação estética, a cultura é central no processo de dominação; é a imposição da cultura dominante como sendo “a cultura” que faz com que as classes dominadas atribuam sua situação subalterna à sua suposta deficiência cultural, e não à imposição pura e simples. O sistema de ensino desempenha papel de realce na reprodução dessa relação de dominação cultural, funcionando ainda, para Bento Prado Jr., “como chancela de diferenças culturais e lingüísticas já dadas, antes da escolarização, no quadro da socialização primeira, que é necessariamente diferencial, segundo a inscrição das famílias nas diferentes classes sociais. (…) O código lingüístico da burguesia (com seus cacoetes, idiotismos, sua particularidade) será encontrado, pelos futuros notáveis, nas salas de aula, como a linguagem da razão, da cultura, numa palavra, como elemento ou horizonte da Verdade. O particular é arbitrariamente erigido em universal e o ‘capital cultural’ adquirido na esfera doméstica, pelos filhos da burguesia, lhes assegura um privilégio considerável no destino escolar e profissional. No Destino, enfim” (“A Educação depois de 1968”, em Os Descaminhos da Educação, ed. Brasiliense).

A escola como reprodutora da dominação

A função do sistema de ensino é servir de instrumento de legitimação das desigualdades sociais. Longe de ser libertadora, a escola é conservadora e mantém a dominação dos dominantes sobre as classes populares, sendo representada como um instrumento de reforço das desigualdades e como reprodutora cultural, pois há o acesso desigual à cultura segundo a origem de classe.

O filósofo idealista Alain (Émile Chartier, 1868-1951) foi professor durante décadas na Khâgne (classes preparatórias às Escolas Normais nas áreas de letras e filosofia, onde são recrutados os intelectuais de maior prestígio no campo intelectual francês) do Lycée Henri IV (Paris) tendo, dentre centenas de outros alunos, Raymond Aron, Simone Weill e Georges Canguilhem. Em 1932, Alain escrevia em Propos sur l´éducation – Pédagogie enfantine, de maneira apologética, que “se pode perfeitamente dizer que não há pensamento a não ser na escola”.

Bourdieu construirá sua trajetória analítica no domínio da sociologia da educação procurando opor-se a um idealismo como o preconizado por Alain, em que a reflexão é destituída de qualquer fundamento histórico, como na velha tradição francesa. Em artigo de 1966, “A escola conservadora: as desigualdades frente à escola e à cultura”, rompe com as explicações fundadas em aptidões naturais e individuais e critica o mito do “dom”, desvendando as condições sociais e culturais que permitiriam o desenvolvimento desse mito. Desmonta, também, os mecanismos através dos quais o sistema de ensino transforma as diferenças iniciais – resultado da transmissão familiar da herança cultural – em desigualdades de destino escolar. Explora a relação com o saber, em detrimento do saber em si mesmo, mostrando como os estudantes provenientes de famílias desprovidas de capital cultural apresentarão uma relação com as obras da cultura veiculadas pela escola que tende a ser interessada, laboriosa, tensa, esforçada, enquanto para os alunos originários de meios culturalmente privilegiados essa relação está marcada pelo diletantismo, desenvoltura, elegância, facilidade verbal “natural”. Ao avaliar o desempenho dos alunos, a escola leva em conta, conscientemente ou não, esse modo de aquisição e uso do saber.

Segundo Bourdieu, “para que sejam desfavorecidos os mais favorecidos, é necessário e suficiente que a escola ignore, no âmbito dos conteúdos do ensino que transmite, dos métodos e técnicas de transmissão e dos critérios de avaliação, as desigualdades culturais entre as crianças das diferentes classes sociais. Tratando todos os educandos, por mais desiguais que sejam eles de fato, como iguais em direitos e deveres, o sistema escolar é levado a dar sua sanção às desigualdades iniciais diante da cultura”.

Bourdieu constrói seu esquema analítico relativo ao sistema escolar e às relações não explícitas que o ancoram em uma longa trajetória que envolve análises empíricas objetivas, centradas em estatísticas da situação escolar francesa. Já em 1964, em Les étudiants et leurs études (Os estudantes e seus estudos) e Les héritiers. Les étudiants et la culture (Os herdeiros. Os estudantes e a cultura), escritos com Jean-Claude Passeron, examina como os estudantes se relacionam com a estrutura do sistema escolar e como são nele representados, e constata a desigual representação das diferentes classes sociais no sistema superior. Investiga a cultura “legítima”, aquela das classes privilegiadas que é validada nos exames escolares e nos diplomas outorgados, e o ensino, aquele que autentica um corpo de conhecimentos, de saber-fazer e, sobretudo, de saber dizer, que constitui o patrimônio das classes cultivadas.

O fato de desvendar as desigualdades do ensino francês, tanto como sistema como em seu interior, significa uma grande mudança no pressuposto já canonizado – principalmente com Durkheim, que personifica o ideal da Terceira República (1870-1940), conhecida como “A República dos Professores” –, em que a escola deveria fornecer a educação para todos os indivíduos, proporcionando-lhes instrumentos que pudessem garantir sua liberdade, mas, também, sua ascensão social.

Ao afirmar que o sistema escolar institui fronteiras sociais análogas àquelas que separavam a grande nobreza da pequena nobreza, e esta dos simples plebeus, ao instaurar uma ruptura entre os alunos das grandes escolas e os das faculdades (ao analisar o campo universitário francês e o papel das Grandes Écoles), Bourdieu desvela a crueza da desigualdade social e, ao mesmo tempo, como ela é simulada no sistema escolar e entranhada nas estruturas cognitivas dos participantes desse universo – professores, alunos, dirigentes.

Conhecimento e poder

Assim, a instituição escolar é vista como desempenhando uma grande função de produção de diferenças cognitivas, uma vez que ajuda a produzir esquemas de apreciação, percepção e ação do mundo social por via da internalização dos sistemas classificatórios dominantes no mundo social global.

Suas análises da educação, então, passam a pertencer ao campo da sociologia do conhecimento e da sociologia do poder, pois como ele mesmo afirma, longe de ser uma ciência aplicada e adequada somente aos pedagogos, ela se situa na base de uma antropologia geral do poder e da legitimidade, porquanto se detém “nos mecanismos responsáveis pela reprodução das estruturas sociais e pela reprodução das estruturas mentais”.

Para Loïc Wacquant, Bourdieu oferece uma anatomia da produção do novo capital [o cultural] e uma análise dos efeitos sociais de sua circulação nos vários campos envolvidos no trabalho de dominação. Em La noblesse d´État (A nobreza do Estado) comprova e reforça suas teses iniciais sobre o sistema de ensino e a “relação de colisão e colusão, de autonomia e cumplicidade, de distância e de dependência entre poder material e poder simbólico”. Sua sociologia da educação é, antes de tudo, uma “antropologia generativa dos poderes focada na contribuição especial que as formas simbólicas dão à respectiva operação, conversão e naturalização. (…) O interesse de Bourdieu pela escola deriva do papel que ele lhe atribui como garantidor da ordem social contemporânea via magia do Estado que consagra as divisões sociais, inscrevendo-as simultaneamente na objetividade das distribuições materiais e na subjetividade das classificações cognitivas”.

A apropriação do autor no campo educacional brasileiro ocorre de forma mais incisiva no uso de suas noções mais evidentes e, não raramente, desvinculadas de sua epistemologia. É por isso que podemos encontrar os “teóricos” de Bourdieu, os “ativistas” e, de forma menos usual, aqueles que se apropriam de sua “prática epistemológica”. Constata-se a necessidade de re-conhecer o autor, buscando o entendimento da teoria sociológica que embasa suas noções mais conhecidas e também mais banalizadas, assim como o sentido da percepção do mundo social que tal teoria informa. Bourdieu nos ensina que toda prática humana encontra-se imersa em uma ordem social, sobretudo essa categoria específica de práticas inerentes ao mundo acadêmico. Fazer uma sociologia da educação bourdieusiana, analisando o papel do sistema de ensino na consagração das divisões sociais e consolidando um novo modo de dominação, torna-se um desafio até para os acadêmicos mais ousados.

fonte: Ana Paula Hey e Afrânio Mendes Catani

segunda-feira, 7 de agosto de 2017

5 filmes sobre Nietzsche


Friedrich Nietzsche (1844-1900) tornou-se um filósofo bastante popular, sua filosofia influenciou a obra de muitos filósofos e, atualmente é possível enxergar com certa clareza a forte influência que o filósofo alemão ainda exerce, para além da filosofia… No cinema não é diferente, sua presença também é sentida, talvez, mais do que qualquer outro filósofo. Neste sentido, o propósito desta lista é elencar alguns filmes em que podemos identificar a presença de certos elementos característicos de sua filosofia como, por exemplo, os conceitos de eterno retorno, vontade de potência/vontade de poder, ubermensch, entre outros.

1. Dias de Nietzsche em Turim (2011) | Júlio Bressane

Para assistir  ao filme – CLIQUE AQUI

O filme procura recriar o  período entre abril de 1888 e janeiro de 1889, em que o filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900) viveu na cidade de Turim, na Itália. Foi lá que Nietzsche escreveu alguns de seus textos mais conhecidos, como “Ecce Homo”, “Crepúsculo dos Ídolos” e “Os Ditirambos” e entregou-se totalmente às suas próprias ideias, envolvendo-se com a arte, a ciência e sua própria vida.

2. Quando Nietzsche chorou (2007) |  Pinchas Perry

Para assistir  ao filme – CLIQUE AQUI


O filme é baseado no romance de Irvin Yalom e narra o encontro fictício entre o filósofo alemão Friedrich Nietzsche e o médico Josef Breuer, professor de Sigmund Freud. Nietzsche é ainda um filósofo desconhecido, pobre e com tendência suicidas. Breuer é procurado por Lou Salome, amiga de Nietzsche, com quem teve um relacionamento atribulado. Trata-se de uma oportunidade para conhecer melhor o pensamento e alguns posicionamentos de Friedrich Nietzsche pois, ainda que se trate de uma ficção o filme faz alusão a importantes eventos reais como, por exemplo, certas particularidades do relacionamento entre Nietzsche e Lou Salome, o episódio com o cavalo ao qual o próximo filme desta lista (Cavalo de Turim) também se refere, entre outros…

3. A fonte da vida (2006) | Darren Aronofsky

Para assistir  ao filme – CLIQUE AQUI


Na Espanha do século 16, o navegador Tomas Creo parte para o Novo Mundo em busca da lendária árvore da vida. Nos tempos atuais a mulher do pesquisador Tommy Creo está morrendo de câncer, mas ele busca desesperadamente a cura que pode salvá-la. Uma terceira história une as duas primeiras: no século 26, o astronauta Tom finalmente consegue a resposta para as questões fundamentais da existência.

4. Cidadão Kane (1941) | Orson Welles


Dirigido por Orson Welles, o longa conta a ascensão de um mito da imprensa americana. De garoto pobre no interior a magnata de um império do jornalismo e da publicidade mundial. O filme é frequentemente apontado como a obra-prima de Orson Welles.

5. Clube da Luta (1999) | David Fincher

Para assistir ao filme - CLIQUE AQUI


Jack é um executivo jovem, trabalha como investigador de seguros, mora confortavelmente, mas ele está cada vez mais insatisfeito com sua vida medíocre. Para piorar ele está enfrentando uma terrível crise de insônia, até que encontra uma cura inusitada para o sua falta de sono ao frequentar grupos de auto-ajuda. Nesses encontros ele passa a conviver com pessoas problemáticas como  Marla Singer e a conhecer estranhos como Tyler Durden . Misterioso e cheio de ideias, Tyler cria com Jack um grupo secreto que se encontra para extravasar suas angústias e tensões através de violentos combates corporais.

fonte: farofa filosófica

quarta-feira, 2 de agosto de 2017

Slavoj Zizek – O Guia pervertido da ideologia


O documentário procura analisar cenas e enredos de filmes, discutindo as formas e mecanismos de propagação ideológica. A ideologia vigente é a do consumismo, do capitalismo exacerbado, capaz de destruir o próprio planeta a fim de manter o fluxo de capitais e a aquisição de lucro. Entretanto, revela-se o paradoxo: somos livres para consumir, ou será que nossa liberdade de fato serve ao interesse do capital, o que faz com que esta liberdade não passe de ilusão criada e mantida pelo capital para que continuemos sendo escravos de uma ideologia, sem que a questionemos, sem que percebamos sua ação?

Para ver o documentário – CLIQUE AQUI