sábado, 4 de novembro de 2017

Darcy Ribeiro e o Povo Brasileiro

Logo na introdução, Darcy Ribeiro desfaz o mito da integração racial pacífica. Segundo ele a unidade nacional resultou de “...um processo continuado e violento de unificação política, logrado mediante um esforço deliberado de supressão de toda identidade étnica discrepante e de repressão e opressão de toda tendência virtualmente separatista.” Portanto, esqueça todas as belas e possivelmente inverídica palavras que você já leu sobre este país. O Brasil não foi palco nem de uma farsa, nem de uma comédia, mas de uma tragédia.


Por baixo da aparente “...uniformidade cultural brasileira, esconde-se uma profunda discrepância, gerada pelo tipo de estratificação que o processo de formação nacional produziu. O antagonismo classista que corresponde a toda estratificação social aqui se exacerba, para opor uma estreitíssima camada privilegiada ao grosso da população, fazendo as distâncias sociais mais intransponíveis que as diferenças raciais.”


Em razão deste processo “...as elites dirigentes, primeiro lusitanas, depois luso-brasileiras e, afinal, brasileiras, viveram sempre e vivem ainda sob o pavor pânico do alçamento das classes oprimidas.” O Brasil não é um país de oportunidades. A mobilidade social é praticamente inexistente. “O mais grave é que esse abismo não conduz a conflitos tendentes a transpô-lo, porque se cristalizaram num ‘modus vivendi’ que aparta os ricos dos pobres, como se fossem castas e guetos. Os privilegiados simplesmente se isolam numa barreira de indiferença com a sina dos pobres, cuja miséria repugnante procuram ignorar ou ocultar numa espécie de miopia social, que perpetua a alteridade. O povo massa, sofrido e perplexo, vê a ordem social como um sistema sagrado que privilegia uma minoria contemplada por Deus, à qual tudo é consentido e concedido.”


Um exemplo claro de como as desigualdades originais ainda ecoam e são reforçadas na sociedade brasileira pode ser visto todos os dias nos telejornais. Se alguém da classe rica morre a cobertura jornalística é intensa, dramática e individualiza detalhadamente a vítima. O morto tem direito à uma história, sua perda é lamentada em função daquilo que ainda estaria em condição de realizar.


Quando os pobres são abatidos como moscas nos conflitos entre policiais e traficantes a imprensa relata apenas o que considera essencial: “conflito no morro do Alemão fez 19 vitimas”. Recentemente, no horário nobre, a Rede Globo despretensiosamente assumiu a versão de que “todos os 19 mortos no morro do Alemão eram criminosos”. Ao contrário do janota, os pobres não têm história. E apesar da CF88 prescrever que todos são iguais perante a Lei, a imprensa nega aos pobres brasileiros o direito de serem considerados honestos,  processados e condenados pelo Poder Judiciário ao invés de abatidos como animais. A mídia transforma a pobreza em crime e reforça esta idéia nos expectadores pobres.


No primeiro capítulo, Darcy nos dá um panorama do Novo Mundo. E nos diz o que poucos tem dito “...só temos o testemunho de um dos protagonistas, o invasor. Ele é quem nos fala de suas façanhas. É ele também, quem relata o que decidiu aos índios e negros, raramente lhes dando a palavra de registro de suas próprias falas. O que a documentação copiosíssima nos conta é a versão do dominador.”


No segundo capítulo, o autor trata da gestação ética, ou seja, do processo de fusão das matrizes indígena, negra e lusitana. “Custando uma quita parte do preço de um negro importado, o índio cativo se converteu no escravo dos pobres, numa sociedade em que os europeus deixaram de fazer qualquer trabalho manual. Toda tarefa cansativa, fora do eito privilegiado da economia de exportação, que cabia aos negros, recaía sobre o índio.” É interessante notar que a legislação colonial proibia expressamente a escravização do gentio. Mas então como agora os privilegiados não eram lá muito legalistas.


À medida que os portugueses faziam filhos nas negras e índias, uma nação de mestiças foi sendo criada. “Os brasilíndios ou mamelucos paulistas foram vítimas de duas rejeições drásticas. A dos pais, com quem queriam identificar-se, mas que os viam como impuros filhos da terra, aproveitavam bem seu trabalho quando meninos e rapazes e, depois, os integravam a suas bandeiras, onde muitos deles fizeram carreira. A segunda rejeição era do gentio materno. Na concepção dos índios, a mulher é um simples saco em que o macho deposita a semente. Quem nasce é o filho do pai, e não da mãe, assim visto pelos índios. Não podendo identificar-se com uns nem com outros de seus ancestrais, que o rejeitavam, o mameluco caía numa terra de ninguém, a partir da qual constrói sua identidade de brasileiro.”


Nem todas as tribos indígenas tiveram o mesmo destino. Algumas foram exterminadas em razão de serem hostis. Outras fugiram para o interior. Outras, ainda, foram desmanteladas nos descimentos. À medida que o gentio do litoral se tornava escasso, os colonos e seus mamelucos capturavam índios das mais diversas origens culturais e lingüísticas no interior e os reuniam em grandes aldeamentos próximos ao litoral onde ficavam à disposição para serem escravizados e catequizados. Mas alguns “...grupos tribais, ainda que conscritos à economia colonial, lograram manter certa autonomia na qualidade de aliados dos brancos para suas guerras contra outros índios. O relevante neste caso é que, em lugar de amadurecerem para a civilização - passando progressivamente da condição tribal à nacional, da aldeia à vila, como supuseram tantos historiadores - , esses núcleos autônomos permaneceram irredutivelmente indígenas ou simplesmente se extinguiram pela morte de seus integrantes.”


Algum tempo depois de consolidar a ocupação do litoral, os portugueses começaram a trazer os negros africanos para a lida nos engenhos de açúcar. “A diversidade lingüística e cultural dos contingentes negros introduzidos no Brasil, somada a essas hostilidades recíprocas que eles traziam da África e à política de evitar a concentração de escravos oriundos de uma mesma etnia, nas mesmas propriedades, e até nos mesmos navios negreiros, impediu a formação de núcleos solidários que retivessem o patrimônio cultural africano.” Portanto, o processo de destruição das culturas indígenas e negras foi bastante semelhante.


Ribeiro descreve em detalhes o empreendimento colonial. “A empresa escravista, fundada na apropriação de seres humanos através da violência mais crua e de coerção permanente, exercida através dos castigos mais atrozes, atua como uma mó desumanizadora e deculturadora de eficácia incomparável. Submetido a essa compressão, qualquer povo é desapropriado de si, deixando de ser ele próprio, primeiro, para ser ninguém ao ver-se reduzido a uma condição de bem semovente, como um animal de carga; depois, para ser de outro, quando transfigurado etnicamente na linha consentida pelo senhor, que é a mais compatível com a preservação dos seus interesses.”


Apoiado em vasta literatura, Darcy Ribeiro informa que o “...tupi foi a língua materna desses neobrasileiros até meados do século XVIII.” Sobre o nome Brasil esclarece que velhas “...cartas do mar oceano traziam registros de uma ilha Brasil referida provavelmente por pescadores ibéricos que andavam a cata de bacalhau...”. Portanto, não foi o Pau Brasil que deu o nome ao país. O mais provável é que os habitantes da terra que utilizavam o nome Brasil o tenham atribuído à arvore que constituiu a primeira grande matéria prima extraída do Novo Mundo.


Apesar da carência de registros genuinamente indígenas (ou seja, produzidos pelos índios), o autor sustenta que “...o Brasil é a realização derradeira e penosa dessas gentes tupis, chegadas à costa atlântica um ou dois séculos antes dos portugueses, e que, desfeitas e transfiguradas, vieram dar no que somos: latinos tardios de além-mar, amorenados na fusão com brancos e com pretos, deculturados das tradições de suas matrizes ancestrais, mas carregando sobrevivências delas que ajudam a nos contrastar tanto com os lusitanos.”


A tese de Dacy Ribeiro se coaduna com a toponímia tupi que foi preservada pelos brasileiros. Quase todos os nomes das localidades, rios, acidentes do terreno, etc. na costa ou próximo da costa são de origem Tupi. Quando subiram a serra através dos “peabirús” (caminhos de índio que já existiam antes de 1500) os portugueses chegaram a “Piratininga“, aldeamento provisório próximo aos rios “tietê” e “tamanduateí”.


Sempre bastante cuidadoso o autor afirma que o “...surgimento de uma etnia brasileira, inclusiva, que possa envolver a gente variada que aqui se juntou, passa tanto pela anulação das identificações étnicas de índios, africanos e europeus, como pela diferenciação entre as várias formas de mestiçagem, como os mulatos (negros com brancos), caboclos (brancos com índios) e curibocas (negros com índios).”


O nascimento da consciência brasileira remonta a Gregório de Matos (1633-1696). Os textos de Anchieta, Nóbrega e outros letrados foram desconsiderados porque eles se identificavam mais com a etnia do colonizador do que com a gente da terra. Já Gregório de Matos zombava da nobreza baiana usando uma perspectiva que o aproximava mais dos habitantes nativos.


“A historieta clássica, tão querida dos historiadores, segundo a qual os índios foram amadurecendo para a civilização de forma que cada aldeia foi se convertendo em vila, é absolutamente inautêntica.” Segundo Darcy Ribeiro o “...índio é irredutível em sua identificação étnica, tal como ocorre com o cigano ou com o judeu. Mais perseguição só os afunda mais convictamente dentro de si mesmos.” Sendo assim, a incorporação dos índios ao patrimônio nacional “...só se faz no plano biológico e mediante o processo, tantas vezes referido, de gestação de mamelucos, filhos do dominador com as mulheres desgarradas de sua tribo, que se identificavam com o pai e se somavam ao grupo paterno.”


Um pouco mais adiante o autor dá detalhes escabrosos do tráfico negreiro. O contingente de negros incorporados ao empreendimento colonial era 30.000 em 1600; quantia esta que subiu para 1.500.000 em 1800. Darcy Ribeiro frisa, entretanto, que é difícil quantificar o total de negros que foram trazidos ao Brasil. Mas alerta que “...os concessionários reais do tráfico negreiro tiveram um dos negócios mais sólidos da colônia, que duraria três séculos, permitindo-lhes transladar milhões de africanos ao Brasil e, deste modo, absolver a maior parcela do rendimento das empresas açucareiras, auríferas, de algodão, de tabaco, de cacau e de café, que era o custo da mão-de-obra escrava.“ Aos negros devemos não só a construção das cidades coloniais, mas a introdução das técnicas de mineração. Em razão de seus cálculos, o autor concluiu que “um total de 6.352.000 escravos <foram> importados entre 1540 e 1860.”


O terceiro capítulo do livro é simplesmente primoroso. Usando uma escrita envolvente e absolutamente envolvente, Dacy Ribeiro narra as Guerras do Brasil e os descaminhos da Empresa Brasil. “O conflito interétnico se processo no curso de um movimento secular de sucessão ecológica entre a população original do território e o invasor que fustiga a fim de implantar um novo tipo de economia e sociedade. Trata-se, por conseguinte, de uma guerra de extermínio.” Os capítulos desta guerra são conhecidos: guerra entre portugueses e índios que não aceitaram o jugo luso (Revolta dos Tamoios); guerra entre colonos e jesuítas que defendiam os índios; guerras entre lusitanos e caboclos (Cabanos); guerra entre negros fugidos e senhores de escravos (Palmares) e guerras entre pobres e fazendeiros (Canudos).


Todos os conflitos referidos e detalhados pelo autor tinham um único propósito: possibilitar a exploração da Empresa Brasil. “No plano econômico, o Brasil é produto da implantação e da interação de quatro ordens de ação empresarial, com distintas funções, variadas formas de recrutamento da mão-de-obra e diferentes graus de rentabilidade. A principal delas, por sua alta eficácia operativa, foi a empresa escravista, dedicada seja à produção de açúcar, seja à mineração de ouro, ambas baseadas na força de trabalho importada da África. A segunda, também de grande êxito, foi a empresa comunitária jesuítica, fundada na mão-de-obra servil dos índios. Embora sucumbisse na competição com a primeiro, e nos conflitos com o sistema colonial, também alcançou notável importância e prosperidade. A terceira, de rentabilidade muito menor, inexpressiva como fonte de enriquecimento, mas de alcance social substancialmente maior, foi a multiplicidade de microempresas de produção de gêneros de subsistência e de criação de gado, baseada em diferentes formas de aliciamento de mão-de-obra, que iam de formas espúrias de parceria até a escravização do indígena, crua ou disfarçada.”


Um pouco mais adiante, o autor esclarece que sobre as três esferas empresariais “... pairava, dominadora, uma quarta, constituída pelo núcleo portuário de banqueiros, armadores e comerciantes de importação e exportação.” Ninguém deve estranhar a semelhança entre o Brasil deste início de século XXI e o descrito por Darcy Ribeiro. O setor bancário ocupa o topo da pirâmide econômica (auferindo da União 150 bilhões de juros ano), logo abaixo vem o agronegócio voltado para a exportação baseado no latifúndio produtivo, em que a produção mecanizada é complementada pelo trabalho braçal remunerado com salários baixíssimos. A grande maioria dos brasileiros de hoje é paupérrima, exatamente como foram seus antepassados.


A ocupação territorial posterior à invasão lusitana ocorreu em função da exploração econômica colonial. Até bem pouco tempo a urbanização era incipiente. “As cidades e vilas da rede colonial, correspondentes à civilização agrária, eram, essencialmente, centros de dominação colonial criados, muitas vezes, por ato expresso da Coroa para defesa da Costa, como Salvador, Rio de Janeiro, São Luis, Belém, Florianópolis e outras.” O interior foi ocupado lenta e paulatinamente em função da necessidade de obtenção de mão-de-obra indígena, da incorporação de novas áreas à exploração comercial e a busca de ouro, prata e pedras preciosas. Durante vários séculos o Brasil foi um país essencialmente agrário. A intensificação da urbanização ocorreu apenas no século XX e mesmo assim não acarretou uma substancial modificação da estrutura sócio-econômica.


“Em nossos dias, o principal problema brasileiro é atender essa imensa massa urbana que, não podendo ser exportada, como fez a Europa, deve ser reassentada aqui. Está se alcançando, afinal, a consciência de que não é mais possível deixar a população morrendo de fome e se trucidando na violência, nem a infância entregue ao vício e a delinqüência e à prostituição. O sentimento generalizado é de que precisamos tornar nossa sociedade responsável pelas crianças e anciãos. Isso só se alcançará através da garantia de pleno emprego, que supõe uma reestruturação agrária, porque ali é onde mais se pode multiplicar as oportunidades de trabalho.”


Estas palavras otimistas devem ter soado mal ao próprio autor. No parágrafo seguinte ele acrescenta que não “...há nenhum indício, porém, de que isso se alcance. A ordem social brasileira, fundada no latifúndio e no direito implícito de ter e manter a terra improdutiva, é tão fervorosamente defendido pela classe política e pelas instituições do governo que isso se torna impraticável.”


Dacy Ribeiro faz uma longa dissertação sobre a deterioração urbana e alerta. “Hoje em dia é o crime organizado como grande negócio que cumpre o encargo de viciar e satisfazer o vício de 1 milhão de drogados. Quem quiser acabar com o crime organizado, deve conter o subsídio ao vício dado pelos norte-americanos.”


Após dar detalhes sobre cada uma das classes sociais brasileiras o autor frisa que essa “...estrutura de classes engloba e organiza todo o povo, operando como um sistema autoperpetuante da ordem social vigente. Seu comando natural são as classes dominantes. Seus setores mais dinâmicos as classes intermediárias. Seu núcleo mais combativo, as classes urbanas. E seu componente majoritário são as classes oprimidas, só capazes de explosões catárticas ou de expressão indireta de sua revolta. Geralmente estão resignadas com seu destino, apesar da miserabilidade em que vivem, e por sua incapacidade de organizar-se e enfrentar os donos do poder.”


A distância entre as classes ricas e as pobres sempre foram e ainda são abissais no Brasil. “Essas diferenças sociais são remarcadas pela atitude de fria indiferença com que as classes dominantes olham para esse depósito de miseráveis, de onde retiram a força de trabalho de que necessitam.” Em seus estudos e pesquisas Darcy Ribeiro notou que a “...classe dominante bifurcou sua conduta em dois estilos contrapostos. Um, presidido pela mais viva cordialidade nas relações com seus pares; outro, remarcado pelo descaso no trato com os que lhe são socialmente inferiores.”


Em razão da mestiçagem “...mais do que preconceitos de raça ou de cor, têm os brasileiros arraigado preconceitos de classe. As enormes distâncias sociais que medeiam entre pobres e remediados, não apenas em função de suas posses mas também pelo seu grau de integração no estilo dos grupos privilegiados - como analfabetos ou letrados, como detentores de um saber vulgar transmitido oralmente ou de um saber moderno, como herdeiros da tradição folclórica ou do patrimônio cultural erudito, como descendentes de famílias bem situadas ou de origem humilde - opõe pobres e ricos muito mais do que negros e brancos.”


Quando chegam ao Brasil a partir do final do século XIX os imigrantes europeus encontram um país socialmente estruturado em todo território nacional. Sua única opção foi a integração cultural e, em razão dela, a paulatina miscigenação. “Não ocorre no Brasil, por conseguinte, nada parecido com o que sucedeu nos países rio-platenses, onde uma etnia original numericamente pequena foi submetida por massas de imigrantes que, representando quatro quintos do total, imprimiram uma fisionomia nova, caracteristicamente européia, à sociedade e à cultura nacional, transfigurando-os de povos novos em povos transplantados.”


Apesar de algum dinamismo econômico o Brasil não deslancha em razão da preservação de sua arcaica estrutura sócio-cultural. A oposição entre os interesses do patronato empresarial, de ontem e de hoje, e os interesses do povo brasileiro” freiam o pleno desenvolvimento do país. Segundo Darcy Ribeiro as classes dirigentes brasileiras são muito parecidas aos consulados romanos, pois ao longo de séculos tem agido “...como representantes locais de um poder externo, primeiro colonial, depois imperialista, a que servem como agentes devotados e de quem tiram sua força impositiva.” Em razão deste característica consular a elite econômico-financeira do Brasil não se sente responsável “... pelo destino da população que, a seus olhos, não constitui um povo, mas uma força de trabalho, ou melhor, uma fonte energética desgastável nas façanhas empresariais.”


O magnífico, profundo e bem escrito livro O POVO BRASILEIRO tem ainda dois capítulos. No quarto Darcy Ribeiro percorre as entranhas da história do país para esmiuçar as principais características e façanhas do Brasil crioulo, do Brasil caboclo, do Brasil sertanejo, do Brasil caipira e dos Brasis sulinos (gaúchos, matutos e gringos). No último usa toda sua eloqüência e maestria para escarafunchar os destinos do país.




fonte: jornal ggn

terça-feira, 31 de outubro de 2017

A integração do negro na sociedade de classes - Florestan Fernandes


Nos anos 50, Florestan Fernandes e Roger Bastide iniciaram uma série de estudos patrocinados pela UNESCO e que tinha como objetivo verificar o suposto caráter democrático das relações raciais no Brasil.[2] Estes estudos culminaram na modificação substancial da interpretação até então vigente acerca das relações raciais no contexto da sociedade brasileira. De uma sociedade tida como racialmente resolvida passamos à constatação de que os grupos raciais se posicionam diferentemente no interior da ordem social e de que a distribuição das posições sociais está ligada ao preconceito e à discriminação racial praticada contra os negros.

De acordo com Florestan Fernandes:

(...) a sociedade brasileira largou o negro ao seu próprio destino, deitando sobre seus ombros a responsabilidade de reeducar- se e de transformar-se para corresponder aos novos padrões e ideais de homem, criados pelo advento do trabalho livre, do regime republicano e capitalista.[3]

De certa forma podemos compreender a exclusão do negro do cenário social como conseqüência direta do processo de abolição da escravidão. Em outras palavras, a inserção do negro aconteceu de forma lenta com a ocupação dos setores mais subalternos na sociedade.

A economia competitiva, como o símbolo da modernização da estrutura produtiva da sociedade brasileira, desenvolveu-se como conseqüência imediata da abolição da escravidão. Em outras palavras, o negro sofreu as conseqüências diretas de um processo marcado pelas desiguais condições de acesso às novas ocupações econômicas advindas da mercantilização da economia.

Isto acarretou, antes de tudo, a inserção desigual dos vários grupos raciais na economia competitiva, ressaltada por Fernandes como processo de racionalização econômica em curso visando a constituição de um novo modelo de organização da vida econômica e social. Nesse processo, evidentemente, ainda segundo Fernandes, a integração do negro foi retardada uma vez que o processo imigratório colocado em prática pelo governo nacional priorizou a utilização de braços europeus dentro de uma concepção, então em voga, de que os imigrantes brancos representavam o advento da civilização e da modernização da sociedade nacional. 

Assim, tomemos a afirmação de Fernandes:

O estrangeiro aparecia,(...), como a grande esperança nacional de progresso por saltos.(...). Desse ângulo, onde o “imigrante” aparecesse, eliminava fatalmente o pretendente “negro” ou “mulato” , pois entendia-se que ele era o agente natural do trabalho livre. [4]

Neste sentido, Florestan demonstra que o desenvolvimento da economia competitiva em São Paulo solapou as expectativas de negros e mulatos, uma vez que esses estratos raciais não estavam preparados dentro de um quadro de concorrência para enfrentar a adaptabilidade do trabalhador importado para aquelas tarefas condizentes com a nascente economia capitalista. Portanto as oportunidades econômicas não seriam igualmente desfrutadas pelos grupos raciais em função do ponto de partida assimétrico a que foram submetidos.

De acordo com este autor:

(...), o regime escravista não preparou o escravo ( e, portanto, também não preparou o liberto ) para agir plenamente como “trabalhador livre” ou como “empresário”. Ele preparou- o, onde o desenvolvimento econômico não deixou outra alternativa, para toda uma rede de ocupações e de serviços que eram essenciais mas não encontravam agentes brancos. Assim mesmo, onde estes agentes apareceram ( como aconteceu em São Paulo e no extremo sul ), em conseqüência da imigração, em plena escravidão os libertos foram gradualmente substituídos e eliminados pelo concorrente branco.[5]

Dessa forma, o negro foi empurrado para os setores mais subalternos no interior da sociedade, pois o trabalho livre não lhe propiciou as condições de inserção nos setores dinâmicos da economia competitiva. Por outro lado, os trabalhadores imigrantes tiveram a seu favor amplas possibilidades de ascensão social em função das condições sociais inerentes à economia de mercado nascente.

A estrutura social fundada no período pós-abolição não absorveu a mão de obra negra em função de que o agente do trabalho escravo não contava com as condições sociais adequadas a esta nova realidade. Ou seja, o negro saindo de um modo de vida escravista encontrou todas as dificuldades de adaptação à estrutura social em construção. O processo de inserção, por conseqüência, teria que ser doloroso e excludente.

De acordo com Hasenbalg:

(...) com a desagregação do regime escravista, segundo Fernandes, a mudança no status legal de negros e mulatos não se refletiu numa modificação substancial de sua posição social. À falta de preparo para o papel de trabalhadores livres e ao limitado volume de habilidades sociais adquiridas durante a escravidão acrescentou- se a exclusão das oportunidades sociais e econômicas resultantes da ordem social competitiva emergente. Os ex- escravos e homens livres de cor foram relegados a margem inferior do sistema produtivo, dentro de formas econômicas pré- capitalistas e áreas marginais da economia urbana.[6]

Evidentemente que Fernandes atribui ao modo como se organizou a produção tipicamente competitiva o papel de canalizador das tensões vividas pela não incorporação do negro ao mercado de trabalho. De certa forma, ainda segundo este autor, temos a sobrevivência de arcaísmos do passado no interior de uma ordem social competitiva. Em outras palavras, a discriminação racial e o preconceito contra os negros configuram reminiscências do passado que, paulatinamente, perderiam o poder classificatório numa economia de mercado.

Nesse sentido, enquanto um arcaísmo do passado, a discriminação racial e o preconceito constituem elementos fundantes de uma estratificação social segundo critérios bem definidos de cor da pele. Isto implica a percepção do racismo como parte de uma herança do passado que sobrevive na sociedade nacional. Paulatinamente, as transformações na economia competitiva provocarão o desaparecimento desses resquícios, uma vez que a mesma está fundada em critérios racionais de competitividade que não comportam arcaísmos de outras épocas.


Nesse sentido:

(...) o preconceito e a discriminação racial apareceram no Brasil como conseqüências inevitáveis do escravismo. A persistência do preconceito e discriminação após a destruição do escravismo não é ligada ao dinamismo social do período pós-abolição, mas é interpretada como um fenômeno de atraso cultural, devido ao ritmo desigual de mudança das várias dimensões dos sistemas econômico, social e cultural.[7]

Daí a ênfase de Fernandes no entendimento da ordem social competitiva, pois, à medida que esta se desenvolvesse, teríamos a superação desses mecanismos de discriminação racial. As desigualdades sociais seriam resolvidas à proporção que os negros fossem integrados à economia de mercado e as distinções sociais entre brancos e negros dessem lugar a uma situação de igualdade nas oportunidades de ocupação, renda e educação. Dessa maneira:

Fernandes argumenta que o modelo arcáico de relações raciais só desaparecerá quando a ordem social competitiva se libertar das distorções que resultaram da concentração racial de renda, privilégio e poder. Assim, uma democracia racial autêntica implica que negros e mulatos devam alcançar posições de classe equivalentes àquelas ocupadas por brancos.[8]

Desse modo a interpretação fornecida por Fernandes pressupõe a compreensão da ordem social capitalista expressão exata dos valores democráticos e da igualdade das oportunidades fundados no critério racional da competência. Como podemos perceber, este autor apresenta uma interpretação dinâmica da realidade brasileira e, portanto, considera a eliminação das barreiras raciais um acontecimento necessário ao pleno desenvolvimento da economia competitiva. Por isso:

(...) visto que o desenvolvimento econômico e a plena constituição da ordem social competitiva são considerados como os principais processos subjacentes à eliminação dos aspectos arcáicos das relações raciais , F. Fernandes é levado a uma visão cuidadosamente qualificada, porém otimista, sobre o futuro das relações raciais brasileiras.[9]

Esta teoria nos leva a explicar o racismo, no contexto da sociedade de classes, como algo que tem sua raiz no passado. Na economia competitiva sobrevivem elementos da organização social anterior os quais constituem anomalias que o desenvolvimento posterior da economia de mercado tratará de corrigir, tornando o processo de ascensão-integração do negro possível nos quadros da ordem social capitalista. Nessa perspectiva:

(...) após a abolição do escravismo, argumenta Fernandes, a sociedade herdou do antigo regime um sistema de estratificação racial e subordinação do negro. A persistência desta estratificação após a emancipação é devidamente atribuída aos efeitos do preconceito e discriminação raciais. Apesar da compreensiva e meticulosa dissecação [análise] das relações raciais brasileiras, a principal debilidade interpretativa resulta dessa conceituação do preconceito e discriminação raciais como sobrevivências do antigo regime. Essa perspectiva, relacionada à teoria de caráter assincrônico da mudança social, explica os arranjos sociais do presente como resultado de “arcaísmos” do passado. Assim, o conteúdo “tradicional” ou “arcáico” das relações raciais, revelado pela presença de preconceito e discriminação raciais, é considerado como um remanescente do passado. O modelo tradicional e assimétrico de relações raciais, perpetuado pelo preconceito e pela discriminação, é considerado uma anomalia da ordem social competitiva. Em conseqüência, o desenvolvimento ulterior da sociedade de classes levará ao desaparecimento do preconceito e discriminação raciais. A raça perderá sua eficácia como critério de seleção social e os não-brancos serão incorporados às posições “típicas” da estrutura de classes. [10]

Notadamente, Fernandes elabora uma interpretação das relações raciais brasileiras em termos da desagregação da estrutura social anterior o que implica a compreensão do contexto das relações raciais contemporâneas como o resultado imediato da conjugação de forças sociais presentes na batalha da abolição. Porém outro aspecto nitidamente perceptível é o fato deste autor associar a economia competitiva à posterior eliminação da discriminação e do preconceito racial dando vazão à compreensão de que a expansão capitalista possibilitaria a adequação das relações raciais à estrutura de classes da sociedade brasileira. (Confira um papo sobre a condição social do negro - CLICANDO AQUI)

As desigualdades raciais estariam, desse modo, condicionadas pela sobrevivência de resquícios da sociedade escravista na realidade sócio-econômica nacional. Assim Fernandes apresenta uma perspectiva otimista quanto à inserção dos negros na estrutura de classes da economia competitiva. Isto equivaleria a dizer que as relações raciais pautadas pela subordinação do negro, paulatinamente, seriam superadas enquanto se ampliasse o espectro da economia capitalista. Segundo Arruda:

(...) no quadro dessas considerações, explicitam- se concepções do autor: a noção de ordem social competitiva, ou sociedade capitalista, enquanto forma de estratificação aberta e tendencialmente democrática; a identificação do mito à ideologia, numa acepção mais restrita a esse fenômeno de natureza simbólica. Nesse sentido, Florestan trabalha com a noção de mito no sentido diverso da tradição antropológica, ou seja, enquanto universo de representações exclusivas. De outro lado, a discussão do mito da democracia racial permite- lhe ultrapassar certas visões dominantes e “representa uma recusa à visão conservadora que marca o debate não somente sobre a questão racial, mas também na Sociologia no Brasil” (Bastos, 1987: 141. Citado pela autora.). No interior desses parâmetros analíticos, o sociólogo desenvolve a segunda parte de sua reflexão, quando a ordem social competitiva expande- se no sentido capitalista no momento da Segunda Revolução Industrial, o que possibilita o reequacionamento das formas de integração do negro.[11]

Certamente o trabalho que investiga as relações raciais levado a cabo por Fernandes constata a existência do fenômeno das desigualdades de oportunidades entre brancos e negros. No entanto a preocupação investigativa deste autor o leva à percepção da solução nos termos de um reordenamento das relações sociais, econômicas e políticas no interior da economia competitiva.
Em suma, este autor demonstra o caráter desigual das relações entre brancos e negros e desmistifica a noção de democracia racial à medida que apresenta, em contraposição, elementos discriminatórios presentes no cotidiano das relações raciais no Brasil.[12] Porém associa estes desajustes sociais à existência de resquícios da escravidão ainda marcando a realidade brasileira.
Ainda, de acordo com Arruda:

(...) apesar da tendência à assimilação, o prestígio e o poder permanecem enleados aos princípios sociais dominantes herdados do passado e encarcerados pela ordem branca. A lentidão e descontinuidade do ritmo da integração apontam para os dilemas de uma história que não rompe as cadeias do passado. No âmbito da sociedade de classes, apesar do nuançamento da relação entre negro e condição social ínfima, os egressos da escravidão não se constituíram em ameaça às posições do branco e sequer entraram no universo das percepções deste.(...). Na impossibilidade de constituir- se, efetivamente, em sujeito da sua trajetória social, o negro vivencia uma realidade do preconceito contraditória, que pode ser tanto neutralizada, quanto acirrada, em função da tradição cultural da sociedade. Esta via de ligação entre o passado, o legado cultural da sociedade escravista e o presente sofre as injunções de circunstâncias e não foi gestada na dinâmica intrínseca à ordem social competitiva. [13]

Dessa forma, a interpretação oferecida por Fernandes aponta para o entendimento do presente- sociedade capitalista - como algo ainda incompleto - sobrevivência de aspectos do passado escravista - e, portanto, as práticas discriminatórias seriam como um corpo estranho no emaranhado de relações sociais capitalistas.



Notas:

[1] Utilizo a categoria Negro para designar pretos e pardos.
[2] Confira: SKIDMORE, T. Fato e Mito: Descobrindo um problema racial no Brasil. Cadernos de Pesquisa. São Paulo, no. 79, nov., 1991. p.5-16.; TELLES, E. Contato Racial no Brasil Urbano: análise da segregação residencial nas quarenta maiores áreas urbanas do Brasil em 1980. In: LOVELL, P. A .(Org.). Desigualdade Racial no Brasil Contemporâneo. Belo Horizonte, CEDEPLAR/FACE-UFMG, 1991. P. 341-365.
[3]FERNANDES, F. A Integração do Negro na Sociedade de Classes. vol. 1 e 2. São Paulo: Àtica, 1978. p. 20.
[4] Idem. p. 27.
[5] Idem. p.51-2.
[6] HASENBALG, Carlos. Discriminação e Desigualdades Raciais no Brasil. Rio de Janeiro: Graal, 1979. p. 72.
[7] Idem. p. 73.
[8] Idem. p. 74.
[9] Idem. p. 74.
[10] Idem. p.75-6.
[11] ARRUDA, Maria Arminda do N. Dilemas do Brasil Moderno: a questão racial na obra de Florestan Fernandes. In: MAIO, Marcos C. e SANTOS, Ricardo V. (Orgs.). Raça, Ciência e Sociedade. Rio de Janeiro: FIOCRUZ/CCBB, 1996. p.198.
[12] Confira as obras de FERNANDES, F. O Negro no Mundo dos Brancos. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1972.; A Integração do Negro na Sociedade de Classes. Ob. cit.
[13] ARRUDA, Maria Arminda do N. Ob. cit. p. 199.

segunda-feira, 30 de outubro de 2017

Casa Grande e Senzala de Gilberto Freyre | Livro para download


No livro, Casa-Grande & Senzala, publicado em 1933, o sociólogo Gilberto Freyre discute a formação do Brasil sob o regime da economia patriarcal apontando o papel da “Casa-grande” e da “Senzala” na formação sociocultural brasileira. A obra é uma espécie de “introdução à história da sociedade patriarcal no Brasil”, fundamental para aqueles que queiram conhecer melhor a história do Brasil. Segue, abaixo o link para fazer o download da obra:




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fonte: farofa filosófica

Heidegger e a questão da técnica


Heidegger é o filósofo que, em relação a Nietzsche e sua alardeada “superação da metafísica”, dá um passo aquém em relação a essa afirmação e procura fazer um cuidadoso  processamento crítico da racionalidade vigente em sua época. Para ele, o que podemos perceber, cada vez mais, é o caráter enigmático do ser humano – e o abismo que nos cerca. Nosso progresso, nosso télos, se não sofrer nenhuma espécie de desvio, será em direção ao ser-máquina. Entretanto, como seres humanos, somos entes aos quais não é permitido o próprio conhecimento – e isso pouco tem a ver com a tecnologia maquinística. Não sabemos o que é o homem, e mesmo que quiséssemos, não poderíamos descobri-lo. Para Heidegger, devemos nos contentar em saber que somos um signo indecifrável – mas poderíamos dizer, em contrapartida, que isso seria algo que nos “dá o que pensar”.  (Para conferir um papo sobre Friedrich Nietzsche - CLIQUE AQUI)

Em seu manuscrito Der Anklang, Heidegger afirma que o fato de as descobertas técnicas terem sido usadas tanto para a construção quanto para a destruição, criou a aparência segundo a qual a técnica estaria acima desse maniqueísmo entre bem e mal. Difundiu-se a ideia de que a técnica seria neutra, e seria o homem quem a converteria em maldição ou benção. Mas, segundo coloca Heidegger, o que é o homem e o que é a técnica? Afinal de contas, não seríamos nada além da produção técnica do que somos e do que não somos em nós mesmos? Ademais, a aparente neutralidade da técnica poderia servir como um incentivo para que o ser humano busque conquistar tecnicamente a natureza e organizar tecnicamente a história – para, dessa forma, criar uma instituição mundial que, fabricada pelo homem, assuma a prosperidade e o bem-estar de si próprio.  

Há algum tempo, a técnica, encarnada tanto no homem quanto na máquina, é o signo atual de nossa relação com o mundo e o modo como a sociedade contemporânea se articula. Nossa pretensão, ao longo da história, foi ver a técnica como fornecedora de bens e de serviços cada vez melhores e mais avançados, para aliviar o fardo de nossa existência, reduzir nosso sofrimento, aumentar nosso bem-estar e expandir os horizontes da vida humana. Heidegger acha que estamos próximos de nos apoderarmos da totalidade da Terra e sua atmosfera, e de obtermos assim, sob a forma de forças, o que está escondido no reino da natureza, submetendo o curso da história à planificação e à ordem de um governo terrestre.   

A principal questão que preocupava Heidegger era a questão do ser e seu destino no Ocidente. Tudo se resumiria ao ser. Para ele, somente o homem, chamado pela voz do ser, vivencia a mais sublime das experiências – ele é o ente que é. Heidegger nos ajuda a esclarecer com o que estamos comprometidos na era da técnica maquinística e os desafios que devemos enfrentar e vencer, se quisermos estabelecer uma nova relação com esse fenômeno.



fonte: puc edu

quinta-feira, 26 de outubro de 2017

O conceito de Cibercultura em Pierre Lévy


A proposta de Lévy é pensar a cibercultura, não de forma a fazer uma critica por seus impactos, e nem com o otimismo de que essa seria a solução para todos os problemas do mundo. A cibercultura é um termo conceituado pelo autor, como o "conjunto de técnicas, de práticas, de atividades, de modos de pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespaço".

Há de se compreender e reconhecer que o crescimento do ciberespaço foi o resultado de um movimento internacional de jovens em busca de experimentar outras formas de comunicação, diferentes daquelas a nós propostas pela mídia clássica. De fato estamos vivendo a abertura de um novo espaço de comunicação, cabendo apenas a nós explorar as potencialidades positivas oferecidas em um plano econômico, político, cultural e humano.

O autor propõe que nos mantenhamos receptivos em relação às novidades da comunicação, e tentemos compreende-las, mesmo sabendo que nem tudo o que se faz na nova rede digital é bom, a questão não é essa, mas sim, reconhecer as mudanças que resultam das novas redes de comunicação para a vida social e cultural.

Na introdução, Lévy usa o termo dilúvio para fazer uma metáfora da propagação desenfreada dos meios de comunicação, um dilúvio informacional que nunca cessará. A obra é composta por 18 capítulos divididos em três partes. Na primeira delas, intitulada de Definições, Lévy apresenta idéias sobre os impactos culturais e sociais das novas tecnologias, fazendo uma descrição de alguns dos conceitos que fazem parte e sustentam a cibercultura. Analisando o desenvolvimento das técnicas e seus impactos nas sociedades, a participação do ser humano na cibercultura torna-se uma necessidade. Outro ponto levantado por Lévy trata das variadas formas da interatividade na comunicação em relação à mensagem, abordando o ciberespaço.

A segunda parte do livro, intitulada de Proposições, enfoca as implicações culturais decorrentes do desenvolvimento do ciberespaço, resgatando novas formas das evoluções técnicas da civilização emergente, fazendo também uma análise das novas práticas das comunicações possibilitadas pelo ciberespaço, compreendendo o movimento social que propaga a cibercultura por sua universalidade. Lévy levanta o questionamento de como o desenvolvimento do ciberespaço afeta o espaço urbano e suas organizações, faz uma analogia entre comunidades virtuais e comunidades territoriais; questiona a substituição das funções da cidade clássica pelos serviços e recursos técnicos do ciberespaço e a exploração dos diferentes tipos de articulação entre o funcionamento urbano e as novas formas de inteligência coletiva que ali se desenvolvem.

A terceira parte do livro, intitulada de Problemas, trata das questões negativas, das criticas e conflitos causados pela cibercultura. O autor lembra que o ciberespaço também pode ser colocado à serviço do desenvolvimento individual e regional, apresenta as perguntas mais freqüentes, possibilitando uma reflexão sobre o tema. Lévy enfoca que a cibercultura redefine o conceito de cultura, inventando uma nova “forma de fazer advir a presença virtual do humano frente a si mesmo que não pela imposição da unidade de sentido”.

Em geral, Lévy propõe uma reflexão aprofundada das mudanças culturais que ocorrem a partir da familiarização e do uso das novas formas de comunicações e da informática e seus impactos nas sociedades atuais. 



fonte: unijui